12.4.11

(Entre parênteses)

Tempestivamente, a mente trabalha num ritmo avassalador, testando as mais diversas possibilidades de resposta e emulando as possíveis reações para cada uma delas. Numa conversa que consegue mexer literalmente com todos os sentidos do corpo, mesmo que a vários kilômetros de distância, os dedos se multiplicam, trabalhando coordenadamente em discordância com as respostas que querem ser ditas mas que, por algum motivo, não podem sê-las naquele momento.

É exatamente nessa torrente de sentimentos que as palavras saem, ansiosas para que sejam compreendidas da maneira como foram pensadas, mesmo que o locutor sequer saiba exatamente o que quer dizer.

Intensidade.

A discrepância dos acontecimentos, numa narrativa nada linear que evoca as histórias de duas pessoas que apenas por acaso não se conheceram, faz com que uma conversa simples contenha inenarráveis revoluções, com duas pessoas que há muito não se vêem, precisam condensar uma vida em poucas horas. E o mais incrível, parece que conseguem.

O tempo corre. As horas passam em segundos. O sono se esvai. Cada palavra, cada imagem, cada intenção preenche exatamente as lacunas certas. Margem mínima de erro. Passível apenas de poucos ajustes.

Acordar noutro dia e se sentir diferente.

Tudo isso entre ( ).

22.1.11

Cotidiario II

Antônio desligou o telefone enquanto observava a polícia realizar a perícia no banheiro. Um policial tentava afastar os curiosos enquanto Antônio respondia as perguntas feitas pelo investigador. Quando terminou, escorregou para fora pela porta da sala.

Disse para si mesmo:
- Não fiz nada por Melissa enquanto ainda era tempo. Agora é tarde.

Sentou à maquina de escrever e começou a apertar furiosamente algumas teclas. Na folha, agora marcada por alguns tipos, era possível ler "David". Fitou cuidadosamente a folha e rasgou-a em diversos pedaços.

Abriu a garrafa de whiskie e tomou diretamente do gargalo. Seu coração ainda estava acelerado pelos acontecimentos anteriores e precisava de algo para se acalmar.

(...)

David era um garoto de 6 anos muito esperto, sagaz e extremamente questionador. Cabelos louros e olhos claros, transmitia toda a inocência e calma, que não possuía. Sua mãe, Marta, costumava brincar que David 'é melhor que academia". Com certa frequência atribuía sua beleza e saúde ao tempo em que passava com o filho, que amava incondicionalmente mas que em nada se parecia com o pai, moreno, de cabelos encaracolados. "Bom, deve ser um dos mistérios de Deus", Marta pensava.

(...)

Antônio pega o celular e retorna a ligação.

- Alô? - diz uma voz feminina do outro lado do aparelho.
- Este número me ligou há pouco, estou retornando.
- Antônio? É você? Que bom que ainda está com o mesmo número, precisava falar contigo...
- Marta? Aconteceu alguma coisa?
- Você precisa me ajudar! Sei que faz tempo que não conversamos, já se passaram 7 anos mas não consigo pensar em ninguém mais senão você. Sempre pude contar muito contigo quando precisei. Espero que possa me ouvir, ao menos.
- Claro que posso! Prefere conversar por aqui ou marcar em algum lugar?
- Vamos naquele café que íamos sempre no centro. Pode ser?
- Daqui a uma hora estarei lá.
- Obrigada, mais uma vez. Beijos!

E desligou.

Sentou-se na cama, com as mãos sobre a cabeça perguntando o que poderia ter acontecido com Marta.

Tomou banho, saiu de casa. Ao chegar na rua, avistou ao longe, encostado num poste, um sujeito parecido com o sujeito que batia à porta de Melissa.

Sentiu a perna travar quando o sujeito caminhou em sua direção.