21.6.06

Notívagos.

Quem falou que o homem pensa em sexo pelo menos umas 9 vezes por hora está certo. Mas quem falou também que o ser humano em geral pensa no seu lazer umas 10 vezes todos os dias está mais do que certo. E João, que trabalhava a semana inteira em uma lanchonete conceituada não estava fora desses conceitos. Seu fim de semana começava na quinta. Doses homéricas de bebida, literalmente se atracava com mulheres que facilitavam o caminho para ele e dormia pouco até o horário de seu trabalho. Chegava com cara de guerra e empunhava seu avental para a batalha diária. Sexta a noite. Tudo acertado com os amigos, o lugar, quem iria, o que fariam. Noite ótima e sábado novamente a cara de guerra. Sábado, uma festa mais tranquila, na casa de um amigo. Muita vodka, muita história para contar (para quem se lembrasse do que ocorreu) e João chegou ao domingo com muitas baixas em seu fígado mas no geral estava bem.
Levava esta vida havia mais de um ano, até que um dia o seu corpo o rejeitou.
João entrou em pânico, pois não lembrou do que fez e não conseguia movimentar nada, além de seus olhos. O estarrecimento o impedia de realmente lembrar o que aconteceu na noite anterior, sem contar aquela dor de cabeça.
"Devo estar muito bêbado ainda", pensou.
Procurou ficar quieto, esquecer aquilo tudo. Acordou novamente por causa de uma das palpitações de sua dor e viu o reflexo do relógio no espelho. Já havia passado da hora de levantar. Seu chefe descontaria o dia e aquele dinheiro era importante demais pra ele. Procurou saltar da cama mas seu corpo não obedecia. Agora já não sabia mais o que pensar. Não havia batido o pescoço para estar tetraplégico, não estava no hospital tampouco. O que poderia ter acontecido?
Até que sua mão lentamente se levanta e Jõao sente-se mais aliviado. "Devo ter usado alguma coisa muito forte".
Seu corpo levanta-se da cama e vai até o banheiro. João não consegue controlar seus movimentos, parece estar possuído por algo. Após apertar a descarga, o corpo escova seus dentes e volta para o quarto. João queria pedir por ajuda mas não controla sua boca. Pensa com força porque aquilo lhe está acontecendo e nada. Não tem resposta. Continua sem o controle dos seus movimentos.
Seu corpo pega a calça, veste, em seguida a camiseta e o tênis. Põe-se a andar pela casa, sem um rumo que ele conheça. Passa pela porta e começa a andar pela calçada no sentido oposto do seu trabalho. Acena para algumas pessoas mas nada fala.
Chega até uma casa onde nunca estive antes. Engraçado que apesar de ser a 300 metros da sua nunca tinha visto aquela residência de aparência descuidada, com trepadeiras subindo pelas janelas de madeira e uma pintura descascada, algo que parecia ser verde. Entrou pelo portão enferrujado e João estava apavorado, pois tinha medo que seu corpo se machucasse de alguma maneira. Continuou seguindo pela casa. Adentrou a sala de estar e nela estava uma senhora de aparência simpática sentada no sofá. Ela viu que os olhos de João se movimentavam freneticamente e entendeu tudo. Era mais um caso de rejeição. Marieta, quando era jovem passou por experiência semelhante e desde então uma energia natural vinda dela atraía jovens que eram rejeitados por seus corpos. Ela seguiu até um velho armário e dele tirou um frasco azul. Dentro deste havia um pequeno pedaço de papel com algumas inscrições. O corpo de João pegou o papel e comeu, logo em seguida se virando para a saída. Quando já na porta Marieta disse:
- Não se esqueça de que temos uma alma. Você deve guardar seu corpo e sua alma, caso não o faça eles rejeitam você.

12.6.06

Dia dos namorados.

Namorar em sua definição é o poder impotente de tentar controlar algo que nao te pertence mas da qual se apoderou (no caso a vida do outro). E a partir desse contexto temos o conflito no qual tudo se origina. As variantes existem e explicam alguns casos de namoros que dão certo, tornando-se uma união (ins)estável que poderá perdurar por batante tempo (tempo suficiente pra ver que você poderia ter feito outra coisa da vida).
Para quem namora eu digo que namoro é uma enfermidade que sempre leva à busca no outro a cura para problemas que não existiram e até apelando para as homeopatias, as receitas caseiras de pai e mãe. Muitas vezes, inclusive, tem-se um namoro a quatro mãos ou até a seis, quando os pais namoram junto com seus rebentos e são tão pró-ativos no relacionamento que podemos chamá-los de "produtores do namoro". Mas eles nem sempre querem que o seu "programa" faça sucesso. Procuram também baixar o índice de "audiência" quando acreditam que a causa não é justa.
O momento é que define o namoro. Carnaval, copa do mundo, boates e épocas de TPM feminina não são bons momentos para o namoro, mas em contrapartida o frio é interessante pois a mulher sente-se mais carente e como (geralmente são mais franzinas) procuram instintivamente um par para aquecê-las (entenda como quiser). Nesse meandro está o dia dos namorados, que nada mais é um dia apaziguador para os casais lutadores ou um dia qualquer para quem consegue levar a união numa boa. Mas independente da felicidade ou não, quem está sorrindo é o dono do restaurante onde você irá jantar esta noite, mesmo que amanhã o dia seja palco de uma guerra.

6.6.06

Prosopopéia ilidíaca

Metonímia estava fazendo seu passeio matinal pelos arredores do Castelo de Sinfonia. Seu câo Teorema acompanhava cada passo seu com entusiasmo e vivacidade. Logo que chegaram ao lago oval, Teorema empreendeu uma parábola imaginária com duas elipses e chafurdou naquelas águas cândidas.
"Teorema, cuidado! Não vá para aquela região nebulosa, irá naufragar!"
Teorema, como não falava provérbios, não compreendeu e naufragou.
Metonímia prantava como nunca se havia feito em Sinfonia. Os vetores mais longínquos ouviam suas melodias vociferadas que clamavam pelo retorno de Teorema do lado negativo.
E assim, vários ciclos se passavam e Metonímia não parecia mais ser aquela expressão feliz como sempre se via. Estava agora sádica, já não via mais os louros da vida e sua juventude havia se tornado uma grande metástase.
Num dia aleatório, Metonímia despertou cedo, despiu-se da sua pele de sonhos e conjugou alguns verbos para a vernaculização matinal. Mas desta vez, sem Teorema.
Mal conseguia ver as figuras de linguagem que a mata escondia. Procurou ir ao objeto direto e chegou ao lago Oval assim que o sol elocubrava suas primeiras farpas de luz.
Algo incandescente dentro dela a fazia ir atrás de Teorema. Mergulhou e foi até a região nebulosa. Sentiu-se como que succionada para dentro daquele cunho. Apagou.
As fendas de seus globos se abria vagarosamente. Uma luz esparsa condoía as vistas. Perguntou-se se aquele era o céu de que tanto recitavam. Rearranjou seus pensamentos e procurou pelo sujeito da situação. Notou que não havia nada de diferente do seu contexto e logo ouviu um latido.
"Teorema! Achei que você havia sido extirpado! Que bom que está aqui. Me sinto alocada!"
Teorema e Metonímia encontraram um ponto de exclamação e por ele conseguiram sair daquela frase. Buscaram o caminho de volta para sinfonia e encontraram tudo destituído. Não havia sequer uma conjunção para explicar o que houve ...

2.6.06

Votar em quem?

O voto deve ter nascido juntamente com os homens da pré-história,
quando o exímio caçador do grupo conseguiu, ao final de um dia de caça, pegar um mamute e provavelmente quis ficar com toda a carne para si, sendo que os outros do grupo mal conseguiram uma lebre. Algum membro brilhante do grupo teve a mais brilhante ainda idéia do voto e, desde então a humanidade mudou. Bem, não mudou tanto porque uma pesquisa recente descobriu que os macacos elegem o líder de seu bando por um voto (não é esse voto obrigatório que conhecemos, uma vez que qualquer macaco resignado pode retirar-se do grupo e adentrar a outro - seria isso uma migração partidária?). Enfim, todos os membros do grupo desfrutaram da deliciosa carne de mamute (o fogo já havia sido inventado e patenteado por Tug, o iluminado) e assim não tiveram que matar seu companheiro.
Mas, no viés da invenção democrática e da evolução (cambial? não.), aparecem os ditadores, reis, líderes bárbaros e líderes do partido dos trabalhadores. Tudo isso vai contra o voto e a democracia uma vez que o que é acumulado nao pode ser dividido com os outros, a não ser que você tenha um relacionamento direto com algum dos elementos supra-citados. E isso não acontece por acaso. É quase uma predestinação, um elemento "divino" ou até "Dantalino" (como nos contos modernos de Lewis Carrol, mas adaptado à realidade "Lulanesca" brasileira).
Maestral também a adaptação do voto obrigatório, diferentemente dos macacos, para eleger nossos representantes. Mas não adianta debandar para outro grupo, pois este líder é onipresente. E não existe possibilidade de devolução ou extermínio em caso de defeito. Ah, no final das contas, os culpados pelo fracasso de algo somos nós, que fomos obrigados a votar sem opções, uma vez que só mudam as máscaras, o conteúdo é o mesmo.
Anule seu voto.